Letícia abriu os braços o máximo que pôde. Tudo
para sentir melhor aquela brisa suave e gostosa cortando
seu rosto.
Apenas com uma camisola de seda azul, leve
com os cabelos encaracolados loiros, soltos, batendo
em seu rosto, a moça voava, mergulhava no vazio sedutor
do céu azul e se alegrava ao ver todas aquelas
nuvens viajarem ao seu lado.
Letícia não entendia o porquê, e também nem
queria saber, mas o inusitado é que ela estava inexplicavelmente
voando como um pássaro, rasgando os
céus daquele estonteante e ensolarado dia.
Seu semblante era mais alvo do que algodão, e
estava tão irradiante quanto aquele sol, que insistia
em lançar cada vez mais forte seu brilho e sua luz.
Naquele instante Letícia era, sem sombras de
dúvidas, a mulher mais feliz e realizada do mundo.
No meio daquele cenário de pureza, leveza e extrema
sensação de paz, uma voz, de eco fraco, surgiu
longínquo pelo horizonte:
– Letícia! Letícia!
Aquela incômoda voz, e ao mesmo tempo familiar,
ia se tornando mais evidente e mais clara, enquanto
o chamamento se repetia e seu tom se intensificava:
Capí t u lo 0 1
“A TRAIÇÃO”
Weslei G arcia
14
– Letícia! Letícia!
De repente, o que era uma voz distante se torna
um grito em bom tom:
– Letícia!
– Hã? O quê? Perguntou Letícia ao abrir os olhos
e vê seu marido, Gilberto, lhe acordando:
– Meu bem! Estava em um sono profundo,
hein?
– É, eu tive um sonho maravilhoso.
– Sonhou comigo meu bem?
– Não, seu engraçadinho! - Beija Gilberto. E completa:
– Eu sonhei que podia voar.
– Voar? Interessante querida. disse Gilberto e
ainda completou:
– Venha, vamos tomar o café.
Em seguida, Gilberto beija Letícia, e desce para
o café. Letícia ainda deitada em sua cama, estava bastante
pensativa. Não parava de se recordar daquele
belo sonho que tivera:
– Ah! Que pena ser apenas um sonho! Um lindo
sonho!
Na mesa do café da manhã, estavam sentados
os dois filhos de Gilberto e Letícia: os jovens, Mateus,
17 anos, estudante do 3º ano secundário e sua irmã,
Priscila, 15 anos, cursando o 1º ano.
De repente Letícia chega, deseja bom dia aos filhos
e beija-os antes de sentar-se a mesa.
Letícia, que acabara de tomar seu banho matinal,
vestia uma roupa leve e estava com os cabelos amarrados.
Ela se virou ao filho mais velho e lhe questionou
sobre sua avaliação.
– Mateus, você tem prova hoje né?
Um A lguém E special
15
Mateus respondeu de prontidão:
– Tenho sim, no último tempo. De química.
– De química? E você estudou, meu filho?
Com um sorriso discreto, como de quem dizia
não com palavras, mas com o olhar que nem chegou
perto dos livros, Mateus atendeu a mãe:
– Claro, mãe!
Em seguida, Gilberto disse:
– Bem, já vou indo, aqueles que desejam carona,
levantem e venham.
– Opa! Já estou indo. - disse Mateus enquanto
bebia rapidamente seu suco de caju.
– Até logo, mãe! - disse Priscila ao beijar Letícia.
Outro que também se despediu de Letícia foi
Gilberto:
– Amor, o que fará hoje?
– Vou sair com Matilde. Vamos ao shopping.
– Até mais tarde, meu bem. Depois te ligo, e
juízo hein!
Letícia sorri, beija o marido e responde a sua
brincadeira:
– Seu tolinho! Só tenho olhos para você, meu
querido
– Eu também sou louco por você. Até mais tarde.
Dessa maneira, Gilberto e seus filhos saem e deixam
Letícia só e pensativa.
Era o retrato de uma família perfeita. Letícia vivia
em completa harmonia com os filhos e o sempre
atencioso e carinhoso Gilberto.
Na entrada da escola, Gilberto recomenda aos
filhos ainda dentro do carro:
– Mais tarde o Onofre pegará vocês, tudo bem?
Weslei G arcia
16
– Legal, pai. - disse Mateus.
– Beijos, pai! - exclamou Priscila, que em seguida
sai com seu irmão do carro.
Ao descerem, Mateus e Priscila se encontraram
com Frederico, 19 anos, aluno do 3º ano, colega de
classe de Mateus:
– Como vai, Mateus? - perguntou Frederico.
– Oi, Fred! - respondeu Mateus fazendo referência
a seu apelido.
– Oi, Fred! - disse desconfiada Priscila.
Mateus estava bastante preocupado com seu
exame de química:
– E aí, Fred, você estudou para a prova do Pedrosa?
– Nada. Nem peguei nos livros. E você?
– Tá brincando! Eu nem sei para que lado começa
a química? He he... – brincou Mateus.
Priscila fica chocada com o que ouve. A moça comenta
sobre a conversa do irmão com Fred:
– Que absurdo! Desse jeito vocês irão acabar reprovando
com o Pedrosa.
Fred tenta reverter a situação a favor de Mateus:
– Não se preocupe Priscila, seu irmão e eu vamos
nos sair muito bem nessa prova. Eu garanto. Eu
tenho um jeitinho para isso.
– Legal! – Diz Mateus.
– Bem, eu vou indo. Tenho aula de literatura com
a senhora Rose. Até mais - disse Priscila que sai em
seguida.
Mateus pergunta a Fred:
– Que jeito é esse Fred?
– Eu estou com as respostas aqui parceiro.
Fred mostra algumas “colas” feitas por ele. MaUm
A lguém E special
17
teus fica bastante entusiasmado ao vê-las:
– Bacana!
Enquanto isso, na fábrica de tabaco “Mesquita”,
uma das maiores do país, chegava Gilberto Mesquita,
sócio majoritário, dono de 75% das ações da empresa.
Ele é logo recepcionado por Rodrigo Aguiar, seu
sócio, detentor de 25% restantes:
– Bom dia, Gilberto.
– Bom dia, Rodrigo. Soube que sua esposa vai
sair com a Letícia hoje?
– É verdade, Matilde comentou que iriam ao
shopping.
– E temos alguma novidade?
– Na verdade sim, Gilberto. Aqueles protestantes
estiveram aqui novamente e fizeram o maior tumulto.
– Não me diga que aquela...
– Se está se referindo a petulante da Fernanda,
ela esteve aqui sim, e mais uma vez liderou o movimento
antitabagismo aqui, em nossa fábrica.
– Maldição! – esbravejou Gilberto. – Ela insiste
em me irritar Rodrigo, sempre com aquelas acusações
sobre a morte da velha mãe.
– É, eu sei. Ela alega que foram nossos produtos
o fator culminante para a dependência da mãe, e sua
conseqüente morte.
– Um absurdo!
– Ah! Eu ia me esquecendo. Aquela moça, a tal
Suzane do Prado, ligou umas três vezes só hoje.
Gilberto esbugalhou o olhar.
– Suzane? Ligou a que horas?
– Não me lembro ao certo, mas parecia ser algo
muito importante. Ela foi bem insistente. Rodrigo se
retirava da sala e se despediu:
Weslei G arcia
18
– Bem, irei para minha sala, qualquer coisa me
chama.
– Obrigado, Rodrigo.
Gilberto espera Rodrigo sair de sua sala, e liga
em seguida para Suzane de seu celular:
– Alô! Suzane?
– Oi, meu amor! Responde a moça do outro lado
da linha.
– Eu já não te orientei para não ficar ligando aqui
na empresa? Toda vez que quiser conversar, ligue no
meu celular pessoal, entendeu? Ou quer que Letícia
descubra tudo?
– Eu sei amor, me desculpa, eu não queria te incomodar.
É que bateu uma saudade de você. Podemos
nos ver hoje?
– Não sei, Suzane, hoje tá meio complicado...
– Por favor, Gilberto, só umas horinhas. Eu preciso
muito te ver.
– Está certo, hoje, às oito horas no mesmo lugar.
– Perfeito! Te espero lá.
– Então, até mais.
– Beijo, meu lindo. Já estou ansiosa.
Gilberto desliga o celular. Suzane, assim que terminou
a conversa com seu amante, ligou em seguida
para Rodrigo:
– Oi, amor!
– E aí Suzane, marcou com ele?
– Sim, meu bem, iremos nos encontrar às oito.
– Ótimo, paixão. Em breve, o idiota do Gilberto
passará uma procuração à você. E eu arrancarei até
a última moeda dele. Eu vou acabar com o poderoso
Gilberto Mesquita!
Um A lguém E special
19
Enquanto isso, num shopping da cidade, Letícia se
encontrava com a amiga Matilde, esposa de Rodrigo.
– Oi, Letícia, como vão as coisas?
– Estão bem Matilde, tudo do mesmo jeito, você
sabe né?
– Sei. E você e o Gilberto?
– Tenho me esforçado muito para ficarmos
bem, mas a cada dia que passa o Gilberto parece estar
mais distante. Apesar de carinhoso, eu não consigo
entendê-lo.
– Deve só ser uma fase passageira, amiga. O Gilberto
é completamente apaixonado por você. Com toda
certeza isso logo estará restabelecido. Dê um tempo a
ele, talvez o Gilberto só esteja meio cansado da rotina.
– Talvez você tenha razão, Matilde. Às vezes, eu
sufoco demais o Gilberto e eu sei reconhecer isso.
– Bem, vamos fazer compras? O que acha?
– Excelente idéia. Vi uns vestidos lindos...
E assim, as duas saem pelas vitrines das lojas
conversando alegremente.
Já na saída da escola “Savonetti”, Mateus comentava
com Fred sobre seu rendimento na avaliação
do Pedrosa:
– Cara! Se não fosse você, eu teria me dado super
mal na prova do Pedrosa. Aquele lance de “carbonos e
cadeias”, eu nem sei para que rumo “aquilo” vai!
– Viu como todas as questões que eu havia copiado
para gente caíram na prova?
– Pois é, legal “pacas”.
– Então, Mateus, deixa eu te dizer, hoje vai rolar
o maior festão lá na casa do Rodolfo Paiva, aquele que
se formou no ano passado. Lembra?
– Claro que me lembro dele. Era do terceiro “c”.
Weslei G arcia
20
– Ele mesmo. Fiquei sabendo que vai ter bebida
e comida a vontade, além de muita gatinha, é claro. E
aí, tá afim de aparecer por lá?
– Bacana Fred, topo sim.
– Posso te pegar às nove?
– Fechado, Fred, te espero lá.
Fred monta em sua moto Suzuki de cor preta metálica,
e vai embora. Mateus espera pela irmã e por Onofre.
O mordomo da família Mesquita chega na escola, espera
também por Priscila, e todos vão embora em seguida.
Ao anoitecer, Gilberto chega de carro num motel
meio afastado da fábrica.
Ao sair do carro e entrar em um dos quartos do
estabelecimento, se depara com Suzane estava à sua
espera, deitada na cama d’água, apenas com uma minúscula
lingerie de renda preta e saltos altos:
– Oi, meu gato! Estou morta de saudades de
você.
A moça começa a agarrar Gilberto e a tirar suas
roupas. Ele não resiste as investidas de Suzane, muito
sensual, e fazem amor.
Na residência dos Mesquitas, Letícia acabava de
chegar de seu passeio ao shopping, quando esbarrou
em Mateus, que ia saindo:
– Vai sair Mateus?
– Oi, mãe, vou sair com o Fred. Ele já está na portaria
à minha espera.
– E onde meu filhote vai? Posso saber?
– Claro mãe, vamos a uma festa na casa de um
colega que terminou o colegial no ano passado.
– Então juízo e se divirtam!
– Pode deixar mãe – Mateus beija a mãe e sai em
seguida.
Um A lguém E special
21
No portão, ele cumprimenta Fred montado em
sua Suzuki:
– E aí, cara!
– E aí, Fred! Então vamos?
– Na hora que quiser.
– Então, sobe aí.
Fred entrega um capacete para Mateus, que sobe
na garupa e os dois saem em seguida.
Ao chegarem no local da festa, Fred e Mateus são
recepcionados pelo anfitrião da noite, Rodolfo Paiva,
19 anos, cursando o 1º semestre de Educação Física
numa faculdade privada:
– Olá gente, sejam bem vindos!
Fred fez as apresentações:
– Acho que já se conhecem. Esse é Rodolfo Paiva,
dono dessa festança. Esse é Mateus, um brother meu.
Ambos se cumprimentaram. Rodolfo fez as honras
da casa:
– Fiquem à vontade. A bebida é só pegar na geladeira.
Só tomem cuidado pra não pegarem o “tesão de
vaca”. Essas eu preparei especialmente para as gatinhas.
Fred e Mateus fazem uma breve pausa demonstrando
certo desconforto, mas Rodolfo quebra o gelo:
– Brincadeirinha, gente! Eu ainda não coloquei
os remédios em bebida nenhuma.
Rodolfo sai para dançar, e deixa Mateus intrigado:
– Tesão de vaca? O que é isso Fred?
– Não conhece tesão de vaca? De que mundo
você é? É um remédio para deixar a mulherada doidinhas
para transar.
Mateus comenta meio sem graça:
– Ah!
Já se passavam da meia noite quando Gilberto
Weslei G arcia
22
falou com Suzane ainda no motel:
– Já está tarde, preciso ir.
– Ah não, Gilberto. Dorme comigo, só essa noite.
– Você enlouqueceu? Esqueceu que sou casado?
– Está bem – concordou Suzane enquanto beijava
Gilberto e se despedia:
– Obrigada pela noite!
– Até logo!
Assim que Gilberto deixa o motel, Suzane liga
para Letícia que já estava deitada à espera do marido.
Após tocar incessantemente, Letícia acaba acordando
e atendendo ao insistente chamado:
– O seu marido, Gilberto Mesquita, acabou de
sair de meu quarto. Fizemos amor duas vezes. Foi tão
bom!
– Quê? – Letícia arregala os olhos estarrecida
com o que ouvia. – Quem está falando?
Suzane desliga o telefone e cai na gargalhada, já
Letícia fica assustada:
– Quem será? Que brincadeira de mau gosto é
essa?
23
Revoltada, Letícia salta da cama e começa a andar
pelo quarto:
– Será que aquele cafajeste teve a coragem de fazer
isso comigo? Cachorro!
Na casa de Rodolfo Paiva, Mateus observava
próximo a piscina Fred, Rodolfo e um outro rapaz, todos
os três fumando. Ele se aproxima dizendo:
– Oi, gente!
Fred respondeu cordialmente:
– E aí, Mateus! Tá afim de um baseado?
– Baseado?
– É cara, maconha. Nunca experimentou?
– Na verdade, não.
– Sério?Então demorou, dá um trago vai.
– Não sei...
– Qual é cara? Vai dar uma de mariquinha? É só
um traguinho, o que tem de mais nisso?
Rodolfo interrompe dizendo:
– Deixa o cara Fred, ele é daqueles “mané”.
– Pára Rodolfo, o cara vai amarelar e tu tá dando
força? – estigou o arrogante Fred.
Rodolfo comenta sem jeito:
– Você é quem sabe.
C a p í t u l o 2
“A NOTÍCIA”
Weslei G arcia
24
– Toma aí, cara, dá um trago. – disse Fred ao entregar
para Mateus um cigarro de maconha.
Mateus apanha-o meio inseguro se queria mesmo
fazer aquilo:
– Certo...
Em seguida, Mateus dá um trago forte e, tossindo
bastante, acaba arrancando risadas de todos.
– Que mané! – debochou Fred, que ainda completou.
– Tenta outra vez, mané.
– Tá, tá. – disse Mateus dando uma segunda tragada,
desta vez com êxito.
Agora Mateus foi cumprimentado e celebrado por
todos. De repente, em meio as tragadas e piadas, Fred
sugeriu a todos:
– O que vocês acham de colocarmos aquelas “bebidas”
para as menininhas?
– Ótima idéia! – concordaram todos.
Mateus, aéreo, sob o efeito da “marola”, ria e concordava
com tudo. Eles entraram na cozinha e prepararam
as bebidas. As garotas, presentes na festa, beberam
bastante, e mais tarde cada uma acabou em algum
quarto da casa, dopadas pelas bebidas, mas sem serem
forçadas, transando com um dos meninos. Rodolfo
com Lia, Fred com Madalena e Mateus com a jovem
Amanda.
Nesse instante, Gilberto acabara de chegar em
casa, sendo surpreendido por Letícia ainda acordada:
– Onde esteve durante toda a noite, Gilberto
Mesquita?
– Letícia? Ainda acordada?
– Você ainda não me respondeu, Gilberto. Onde
esteve?
– Em uma longa reunião com o Rodrigo?
Um A lguém E special
25
– Mentira! Eu já liguei para Matilde e ela confirmou
que há horas o Rodrigo chegou em casa.
Letícia fica transtornada com a mentira de Gilberto,
e parte para cima dele com tapas e berros:
– Uma desqualificada me ligou, já altas horas da
noite, dizendo que havia acabado de fazer amor com
o maior ordinário da paróquia! Você seu cretino!
– Acalme-se, Letícia.
Gilberto, para conter a mulher, que estava descontrolada,
acaba dando-lhe dois tapas no rosto.
Com o segundo tapa, Letícia é jogada na cama, devido
a força de Gilberto. Ela põe a mão sobre a face, e
esperneia ainda mais alto:
– Você me bateu! Além de me trair, ainda me
bate! Seu troglodita! Calhorda!
Nervoso, Gilberto acaba perdendo a cabeça, e
deita por cima de Letícia a fim de controlá-la. Na medida
que ela relutava, Gilberto se vê na necessidade
de usar a força e acaba por esbofeteá-la ainda mais.
Letícia gritava e chorava bastante, enquanto
Gilberto liberava toda sua fúria em seus tapas que
aplicava na própria esposa.
Próximo das cinco horas da manhã, Mateus
chegou bêbado e drogado em casa. Para não acordar
ninguém, ele caminhava como um ladrão, sem fazer
nenhum barulho, mas muito tonto, conseguiu com
certa dificuldade chegar em seu quarto, e sem retirar
a roupa, desabou em sua cama.
Uma hora mais tarde, amanhece aquele estranho
e novo dia, deixando para trás uma tenebrosa noite.
Gilberto acorda bem cedo, e parecendo sentir remorso
pelo que fizera a Letícia, sai rapidamente do
quarto, deixando-na acordada. Deitada em sua cama,
Weslei G arcia
26
ela estava com um olhar amedrontado e longínquo.
Sozinha em seu quarto, a moça começa a chorar em
silêncio. Com o semblante sério, apenas uma única lágrima
escorre pelo seu rosto marcado pela violência e
estupidez do marido. Ela ainda não conseguia acreditar
no que acontecera na noite passada.
Na mesa do desjejum matinal, Gilberto, visivelmente
sem graça, perguntou a filha:
– Onde está o Mateus?
– Ainda não o vi, pai. Deve estar dormindo.
– É melhor eu acordá-lo antes que se atrase para
a aula.
– E a mamãe?Ainda dorme? – perguntou Priscila.
– Sua mãe? Ela estava muito indisposta, então
resolvi deixá-la descansar um pouco mais. Depois
peço ao Onofre que vá despertá-la.
Gilberto toma um pouco de suco de maracujá,
levanta-se da mesa e sobe para o quarto do filho mais
velho. Ao abrir a porta, ele chama por Mateus:
– Mateus, meu filho, levante-se, vamos. Já é hora
de acordar.
Mateus, ao ouvir a voz do pai, abre lentamente
os olhos, e sem nem ao menos mexer a cabeça, responde
com a voz traquejada:
– Pai!
– Você vai acabar se atrasando, meu filho. Não
irá faltar aula, né?
– Pai, eu vim de uma festa e acabei passando a
noite com uma tremenda gata. Tô “morgado”.
Gilberto solta um sorriso amarelo de orgulho
pelo que acabara de ouvir de seu filho:
Um A lguém E special
27
– Se é por uma boa causa pode deixar, filhão. Na
escola, eu darei um jeito.
Mateus agradece feliz:
– Valeu, pai. Sabia que iria compreender.
Na fábrica de tabaco, a sala de Rodrigo é literalmente
invadida por Fernanda, filha de uma ex-funcionária
da empresa, esta supostamente morta por enfisema
pulmonar. Rodrigo se ira com sua presença:
– O que faz aqui? Quem deixou você entrar?
– Quero falar contigo e com seu sócio.
– Fernanda Lopes? Só poderia ser você mesma.
O Gilberto ainda não chegou para trabalhar. Mas, se
eu puder ajudar...
– Vocês mataram minha mãe.
– Que bobagem é essa que diz? Sua mãe morreu
vítima de uma doença.
– Não, eu sei que foram vocês. Ela morreu misteriosamente
dez dias depois que havia descoberto algo
ilícito sobre a empresa.
Rodrigo se assusta:
– De que está falando? Não tem nada de misterioso
na morte de sua mãe, ela fumava compulsivamente,
e faleceu por enfisema pulmonar. Eu entendo
seu rancor e seus sentimentos de perda e dor,
mas, receio avisá-la que essas insinuações que faz,
poderá lhe causar danos. Poderá ser processada por
calúnia e difamação.
Gilberto entra na sala:
– O que está acontecendo aqui? É você novamente,
Fernanda? Sempre nos causando problemas. Achei que
a empresa já tinha pago tudo que sua mãe tinha direito.
– Não estou atrás de dinheiro, quero justiça.
– Justiça? De que está falando?
Weslei G arcia
28
– Você e esse outro calhorda são os principais
motivos da morte de minha mãe, e eu não irei descansar
enquanto não provar que ela foi assassinada
e colocá-los numa cadeia.
Gilberto, de maneira contundente e gesticulando
bastante, alertou a jovem que estava muito alterada:
– Sua insana! Como ousa nos acusar de algo tão
grave? Saia imediatamente de nossa fábrica, ou serei
obrigado a chamar a polícia.
– Não será necessário, já estou de saída.
Fernanda sai como um foguete da sala de Rodrigo,
o que causa uma certa insatisfação em Gilberto:
– Como essa desvairada conseguiu passar por
nossa segurança e entrar aqui?
– Não tenho a menor idéia, Gilberto. Essa é uma
incógnita também para mim.
Gilberto tranca a porta da sala e comenta em voz
baixa:
– Ela fez acusações graves, Rodrigo. Será que
sabe das mercadorias?
– Não sei dizer, Gilberto. Só se aquela maldita
velha resolveu contar antes de morrer.
– Então descubra se Margareth Lopes contou alguma
coisa para essa neurótica.
– Deixe comigo, Gilberto.
– E, Rodrigo, me responda uma coisa.
– Diga, Gilberto.
– Letícia resolveu me causar alguns problemas.
Talvez eu tenha que sair um pouco mais cedo para resolver
isso. Posso confiar a fábrica nas suas mãos?
– Tudo bem, Gilberto, eu seguro as pontas por
aqui. Tem só mais uma coisa.
Um A lguém E special
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– O que é?
– É sobre aquela “encomenda”.
– Sei, sei. E Mangaveira quer para quando?
– Amanhã à noite.
– Vou providenciar isso agora mesmo. Caso
Mangaveira volte a te procurar, peça que ligue em
meu celular.
– Deixa comigo, Gilberto.
Gilberto sai apressadamente da sala e deixa Rodrigo
bastante pensativo:
– Vou dar um jeito para que aquela de cocaína
não chegue ao Mangaveira. Quero que ele e o Gilberto
se matem!
Em casa, Letícia acaba de descer quando se surpreende
com a presença de Mateus:
– Mateus? Você não deveria estar na escola?
– Oi, mãe. Eu não tô legal hoje, daí o pai me deixou
ficar em casa.
Mateus repara o hematoma no rosto da mãe:
– O que foi isso, mãe?
Letícia tenta em vão disfarçar; o melhor caminho
encontrado, então, foi mentir para o filho:
– Nada de mais, filho. Foi durante o banho. Eu
pisei no sabonete e escorreguei, batendo com o rosto
no Box.
– A senhora não acha melhor ir ao médico? Se
quiser, eu ligo para o Doutor Augusto.
– Não é necessário, filho! Já estou bem melhor.
De repente, Onofre chega com o telefone dizendo:
– Telefone para o senhor Mateus.
– Para mim, Onofre? E quem é?
– É um rapaz chamado Frederico.
Weslei G arcia
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– Ah, é o Fred. Pode deixar que eu atendo,
Onofre. Obrigado.
Mateus apanha o telefone sem fio e sobe para
seu quarto, deixando Letícia e Onofre a sós:
– Onofre, você conhece esse tal Frederico?
– Honestamente não, madame.
Em seu quarto, Mateus conversava com Fred
por telefone:
– E aí, cara!
– E aí, brother! Por que não veio para a aula
hoje?
– Não tava legal.
– Você papou a Amanda, hein, garanhão! Ela é
uma tremenda gata!
Mateus sorri sem graça e Fred completa:
– Hoje vai ter uma parada sinistra, tá afim de ir?
– E que parada sinistra é essa, Fred?
– Você quer ir ou não, Mateus? Vai ter que confiar
no seu brother aqui.
– Tá legal, você me convenceu. Me pega?
– Passo às nove.
– Então, tá certo.
Mateus desliga o telefone.
Gilberto, em seu carro, atende o celular enquanto
dirigia:
– Alô! Suzane? Sua miserável! Quem te ordenou
ligar pra dramática da minha mulher?
– Ai, Gilberto, não fala assim comigo.
– Eu deveria era te matar, pra ver se larga de ser
ordinária.
– Escute aqui, Gilberto, você pode tratar de me
respeitar, ouviu bem?
– E por que eu deveria? Você quer arruinar minha
vida?
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– Eu estou grávida ,Gilberto Mesquita. Grávida
de você.
– Descontrolado, Gilberto grita:
– O quê?
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